sexta-feira, 2 de outubro de 2009

quarta-feira, 9 de setembro de 2009

CAPÍTULO 1 - UM NEGÓCIO DA CHINA

Julho de 2002
RIO DE JANEIRO

Aeroporto Santos Dumont, manhã de segunda-feira, um dia abafado. A sala de reuniões da Chefia de Operações da Varig está cheia. Somos quase trinta copilotos, a maioria de pé, viemos ouvir o que o representante da EVA Air, comandante Lima, ex-Varig, tem para nos dizer. Ele veio nos oferecer um “negócio da China”.
EVA Air? Que empresa é essa? Nunca ouvi falar. Taiwan ou Tailândia? Taipei ou Taipé? Do outro lado do mundo? Voar no estrangeiro? Até agora, só pilotos com passaporte europeu, que dá o direito de trabalhar na Europa, ou com o “green card”, dos Estados Unidos, podem sonhar com um emprego no exterior. Aliás, os dois únicos lugares imagináveis de se trabalhar fora do país. Não se cogita, como copiloto, trabalhar na Ásia. Nossos horizontes ainda estão muito limitados, o nosso mundo ainda é pequeno. Além disso, até pouco tempo não precisávamos procurar emprego no estrangeiro, afinal a carreira na Varig era muito boa, para toda a vida, para se aposentar. Infelizmente as coisas mudaram, a Varig está em crise. Nós já estamos de copiloto há doze anos. O tempo razoável nessa função transitória e temporária seria de no máximo cinco anos, para adquirir a experiência necessária para então ser promovido a comandante. Ou seja, estamos marcando passo na empresa, com a carreira estagnada e sem perspectivas nenhuma de promoção. Uma grande frustração!
Mas agora aparece essa inusitada oportunidade para quem não tem sangue azul, para quem não tem pedigree, ou melhor dizendo, para quem não tem um passaporte estrangeiro. Finalmente, a chance de qualquer um realizar o sonho de voar fora, de fazer um pé de meia em dólares, quem sabe a chance de ser promovido e, sem dúvida, a aventura, o desbravamento, o mistério, o desconhecido, o desafio. Fascinante!
É um acordo entre as duas empresas. A brasileira, com sobra de mão-de-obra, querendo livrar-se de alguns pilotos e enxugar a sua folha de pagamento, sem os custos inevitáveis das demissões; e a chinesa, em franca expansão, precisando desesperadamente de pilotos. A Varig dará uma licença sem vencimentos aos voluntários interessados, mantendo todos os direitos de funcionário, passagens, benefícios, antiguidade para promoção, INSS, tudo. Realmente um “negócio da China”.
A reunião segue com muitas perguntas, sobre salário, alojamento, passagens, contrato, benefícios, hotéis. O regime de trabalho na EVA Air é puxado, são trinta e cinco dias trabalhando por catorze de folga. A empresa tem pilotos de aproximadamente quarenta nacionalidades diferentes, incluindo os chineses, que são a grande maioria, é uma Torre de Babel. Já as comissárias de bordo são todas chinesas. A reunião chega a seu final e tem uma lista em branco sobre a mesa. O colega Jonatas Bonitão pergunta:
-O que precisa para colocar o nome na lista?
-Só precisa do número do passaporte! Responde o comandante Lima.
Imediatamente o Bonitão puxa o seu passaporte do bolso do paletó e sai com a frase:
-Bota meu nome!
Preciso conversar com a minha esposa, é uma decisão muito importante e deve ser tomada a dois. A EVA Air pediu trinta e oito pilotos, a Varig só vai liberar vinte. O Piloto Chefe da Varig nos diz que se ele fosse copiloto não pensaria duas vezes em pegar essa oportunidade. Acontece que, para os comandantes mais antigos, “vacas sagradas”, de vez em quando aparece uma “boca-rica” em algum lugar do planeta, na Coréia, Japão ou Cingapura. Mas só uns poucos se aventuram, porque a vida deles na Varig é muito boa. É um sonho ser comandante Master de voos internacionais. Mas para “copila” nunca aparece uma chance dessas.
Penso rápido, é melhor colocar logo o nome na lista para garantir e, se for o caso, desistir mais tarde. Boto o meu nome também! Um ato impetuoso que pode mudar a minha vida. Um frio na espinha! Não consigo ter a exata noção de como isso vai afetar a minha vida pessoal e profissional, as coisas boas e ruins que estão por vir. Ainda bem! Tem coisas que a gente não pode pensar muito, não dá tempo, tem que ser aqui e agora. Que loucura! Meu Deus! O que eu estou fazendo? Ai, ai, ai...Já em casa, minha esposa concorda e até me dá força. Com esse novo emprego o salário vai praticamente dobrar, com o dólar alto que está. Decisão tomada, não volto atrás.
Tudo acontece muito rápido, tenho só uma semana para tirar os vistos de turista de Taiwan e dos Estados Unidos, onde devo fazer uma escala de dezesseis horas. Mas não vai dar tempo, então é um ou outro. Tiro o visto de Taiwan, já que para entrar nos Estados Unidos, vindo do Brasil, posso usar o visto de tripulante da Varig, ou seja, eu chego lá. Mas na volta, para entrar nos Estados Unidos novamente, preciso do visto de turista. Problema? Problemão... Mas a essa altura já terei feito o processo de seleção na EVA e com certeza não vou parar em nenhuma penitenciária da Califórnia por causa de um visto. Às vezes temos que correr certos riscos. Um risco calculado, é o único jeito. Se não fizer assim, perco a oportunidade de ir à Taipé, perco o “Negócio da China”.

domingo, 6 de setembro de 2009

PREFÁCIO

00-PREFÁCIO

Sou um viajante por natureza, um navegador, um argonauta, um piloto com histórias para contar. Comecei a voar aos 17 anos de idade, em janeiro de 1978, no Aeroclube de Santa Cruz do Sul-RS. No ano seguinte ingressei na Força Aérea Brasileira, onde me tornei um piloto militar, servindo por doze anos como piloto de busca e salvamento, de combate com helicóptero e instrutor de voo. No final de 1990 fui para a aviação comercial, na Varig, por doze anos; na EVA Air, em Taiwan, por quase cinco anos; na Shanghai Cargo, na China, por quase um ano, depois na ABSA Cargo, em Campinas-SP por um ano e finalmente na Web Jet no Rio de Janeiro.
Vou contar os fatos vivenciados por mim e meus colegas, pilotos brasileiros e de outros países, a nossa saga de piloto expatriado, desde a minha ida para Taiwan em 2002 até o meu regresso em 2008. Cada um tem a sua história para contar, de sucesso ou derrota, de um final feliz ou de tristeza e eu vou contar a minha. Uma narrativa entremeada por manchetes de jornais sobre os acontecimentos que culminaram com o fim da Varig, a empresa na qual eu pensava em me aposentar.
Se você gosta de histórias, embarque comigo nessa viagem ao meu exílio profissional, por países e culturas diferentes, ao fascinante e complexo mundo da aviação comercial internacional, dos grandes jatos e seus pilotos. Não pretendo vender idéias ou defender ideologias, vou tentar não ser muito técnico, quero apenas contar a minha história, às vezes interessante e divertida, às vezes chata e monótona, alegre ou triste, como é a vida da maioria das pessoas.
“Piloto expatriado” é um termo muito usado na aviação comercial mundo afora. Uma expressão não muito conhecida no Brasil e pode até parecer um termo pejorativo. “Piloto expatriado” não significa piloto expurgado, deportado, degredado, nada disso. Significa tão somente um piloto no estrangeiro, fora de sua pátria, um forasteiro trabalhando nos céus de outros países, quase um imigrante, contribuindo para o desenvolvimento de alguma nação que, por pura necessidade, o acolheu de braços abertos. Mas no fundo da minha alma eu sempre me senti um piloto degredado, excluído do contexto da aviação brasileira, um exilado profissional.
E um dia todos voltarão para casa, com a mala cheia de histórias para contar.